Tropas das Forças Armadas em formação no RN — Foto: Vitorino Júnior
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou aos comandos da Base
Aérea de Natal, 3º Distrito Naval, 16º Batalhão de Infantaria Motorizada e 7º
Batalhão de Engenharia de Combate, todos no Rio Grande do Norte, que não
promovam ou participem de qualquer manifestação pública, em ambientes militares
ou fardados, em comemoração ou homenagem ao golpe militar de 31 de março de
1964.
A
iniciativa integra uma ação coordenada, que reúne procuradorias da República em
pelo menos 19 estados. O MPF também solicitou às unidades militares a adoção de
providências para que seus subordinados sigam essa orientação, e que sejam
adotadas medidas para identificação de eventuais atos e de seus participantes,
com fins de aplicação de punições disciplinares, bem como, comunicação ao MPF
para a adoção das providências cabíveis.
O G1
procurou as assessorias de imprensa das três forças militares no estado, mas
elas informaram que qualquer questão sobre o assunto deveria ser remetida ao
Ministério da Defesa.
Recomendação
Subscrita no Rio Grande do Norte pelos procuradores da República
Caroline Maciel, Victor Mariz, Fernando Rocha e Renan Felix, a recomendação
aciona comandos militares de todas as regiões do país e estabelece prazo de 48
horas para que sejam informadas ao Ministério Público Federal as medidas
adotadas para o cumprimento das orientações ou as razões para o seu não
acatamento.
No
documento, as Procuradorias da República destacam que as Forças Armadas são
instituições nacionais permanentes e regulares, destinadas à defesa da Pátria e
à garantia dos poderes constitucionais, não devendo tomar parte em disputas ou
manifestações políticas, em respeito ao princípio democrático e ao pluralismo
de ideias que regem o Estado brasileiro.
“A
homenagem por servidores civis e militares, no exercício de suas funções, ao
período histórico no qual houve supressão de direitos e da democracia viola a
Constituição Federal, que repudia o crime de tortura e prevê como crime
inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares,
contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
De acordo com o MPF, após a promulgação da Constituição de 1988, o
Estado brasileiro, por diversas oportunidades e por seus poderes
constitucionalmente instituídos, "reconheceu a ausência de democracia e o
cometimento de graves violações aos direitos humanos pelo regime iniciado em 31
de março de 1964".
O
documento destaca que as próprias Forças Armadas admitiram – em 19/09/2014, por
meio do Ofício nº 10944, do Ministro de Estado da Defesa – a existência de
graves violações de direitos humanos durante o regime militar. O texto registra
que os Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica não questionam as
conclusões da Comissão Nacional da Verdade, por não disporem de “elementos que
sirvam de fundamento para contestar os atos formais de reconhecimento da
responsabilidade do Estado brasileiro” por aquelas práticas.
A
Recomendação ressalta que o presidente da República se submete à Constituição
Federal e às leis vigentes, não possuindo o poder discricionário de
desconsiderar todos os dispositivos legais que reconhecem o regime iniciado em
31 de março de 1964 como antidemocrático. “O dever do Estado brasileiro é não
só o de reparar os danos sofridos por vítimas de abusos estatais no mencionado
período, mas também de não infligir a elas novos sofrimentos, o que é
certamente ocasionado por uma comemoração oficial do início de um regime que
praticou graves violações aos direitos humanos”, reforça o texto.
Outras
experiências – No comunicado aos Comandos Militares, o Ministério Público
Federal destaca que países que passaram por experiências históricas semelhantes
ao Brasil se esforçam para consolidar a democracia – com repúdio à
relativização dos fatos ocorridos em seus regimes autoritários. Entre os
exemplos, está o da República do Chile, cuja democracia foi restabelecida após
cerca de 20 anos de governo militar. O país não apenas reconheceu a ocorrência
de violações sistemáticas a direitos humanos pelo Estado daquele período, como
repudia declarações públicas de autoridades civis e militares em defesa da
ditadura militar ou de seus agentes.
“O Exército do Chile expulsou, no ano de 2006, o capitão Augusto
Pinochet Molina, após discurso defendendo o golpe de estado de 11 de setembro
de 1973, e, mais recentemente, em 2018, destituiu diretor de Escola Militar,
coronel Germán Villarroel Opazo, por homenagem a sequestrador da ditadura.
Ainda em 2018, o ministro de estado Mauricio Rojas foi demitido pelo presidente
da República, por questionar os fatos históricos expostos em museu que retrata
a ditadura militar daquele país”, aponta o MPF.
Coerência
com a exigência de democracia em outros países – Para o Ministério Público
Federal, a exigência de respeito à democracia em outros países do continente
não é condizente com homenagens a período histórico de supressão da democracia
no Brasil. O órgão ressalta que a obrigação internacional assumida pelo Estado
Brasileiro de promover e defender a democracia deve ser efetiva, inclusive pela
valorização do regime democrático e repúdio a formas autoritárias de governo.
“Em 2018, o Brasil e os Estados Unidos defenderam a suspensão da Venezuela da
Organização dos Estados Americanos, em razão de violação aos preceitos da Carta
Democrática Interamericana. Do mesmo modo, em janeiro deste ano, o Brasil,
representado por seu presidente da República, assinou com outros países do
continente a Declaração do Grupo de Lima, por meio da qual exigem o
restabelecimento da democracia na Venezuela”.
A
Recomendação aos Comandos Militares cita os regulamentos disciplinares do
Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que estabelecem como contravenções
disciplinares ou transgressão militar manifestar-se publicamente a respeito de
assuntos políticos, bem como tomar parte, fardado, em manifestações de caráter
político-partidário. No texto, o Ministério Público Federal ressalta ainda que
a Lei 8.429/1992 determina que constitui improbidade administrativa a prática
de ato que atente contra os princípios da administração pública da moralidade,
da legalidade e da lealdade às instituições, e notadamente a prática de ato
visando a fim proibido em lei, regulamento ou diverso daquele previsto. De
acordo com a legislação, os autores – seja civil ou militar – estão sujeitos à
pena de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e multa civil
de até cem vezes o valor da remuneração.
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