Os cerca de 5,5 mil moradores da pequena cidade de Bento Fernandes,
distante cerca de 90 quilômetros de Natal, vivem uma situação no mínimo
curiosa. A Prefeitura do município anunciou que não vai conseguir pagar os
salários dos mais de 300 servidores e, com isso, a maior parte dos serviços
oferecidos deve ser paralisada. Segundo o prefeito, Júnior Marques, a cidade
"faliu" e está sem dinheiro para custear a máquina pública, após
bloqueios das contas, determinados pela Justiça.
"Tem que fechar a prefeitura. É a solução que eu vejo. É uma
situação de 'falência' que gerou caos e não tem como se sustentar. Vou ter que
pedir a compreensão de todo mundo", diz.
Na tarde desta quinta-feira (29), ele pretende fazer um pronunciamento
em praça pública para explicar aos moradores e servidores municipais as razões
para a interrupção das atividades. A previsão é que aulas, limpeza pública,
esgotamento sanitário, segurança realizada pela guarda municipal e até
transporte de pacientes para consultas na capital fiquem suspensos.
Apenas os servidores da Saúde devem receber os salários de agosto,
porque os recursos recebidos por eles vêm da União. Os professores também devem
receber pagamento, mas apenas um percentual, provavelmente menos da metade do
devido, graças ao Fundeb.
Para entender a situação, é preciso voltar ao ano de 2011. À época, o
ex-prefeito de Bento Fernandes, Ivanildo Fernandes de Oliveira, deixou de
repassar contribuições sociais descontadas dos servidores municipais para o
Fundo de Seguridade Social da Receita Federal. O caso gerou ações penal e cível
do Ministério Público Federal contra o ex-gestor, por improbidade
administrativa.
Porém, a dívida acumulada do município com o Leão continua e após correr
juros e com revisões judiciais, ultrapassou a cifra de R$ 3,6 milhões. O valor
é considerado impagável pela gestão do município.
Em Junho deste ano, o juiz Bruno Lacerda Bezerra Fernandes, da comarca
de João Câmara, determinou a execução do pagamento da dívida fiscal da
prefeitura com a Receita Federal em forma de precatórios. O juiz determinou o
pagamento mensal de R$ 73.708,41, entre abril de 2019 e dezembro de 2024, como
forma de quitar o dividendo com a União. Porém, o magistrado requereu o
pagamento em parcela única das mensalidades retroativas a abril, o que, segundo
o município, chega a cerca de R$ 400 mil.
A forma encontrada pela Justiça para garantir o pagamento da dívida foi
descontando as parcelas direto nas contas correntes da Prefeitura, onde entram
os recursos da arrecadação de impostos locais e federais. O principal deles, o
FPM, fica retido diretamente na fonte e cai na conta judicial, ficando
penhorado para o pagamento dos precatórios. Segundo a Secretaria de
Administração, a previsão é que as três parcelas de agosto fiquem retidas. Até
agora já foram bloqueados R$ 280 mil e a previsão é de que a parcela prevista
par esta sexta-feira (30), de R$ 133 mil, também fique retida.
Por essa razão, no fim de agosto, a Prefeitura de Bento Fernandes afirma
que se encontra sem recursos correntes para custear a folha de pagamento dos
servidores, financiar parte da educação municipal e quitar dívidas com
fornecedores. O prefeito decretou estado de calamidade e exonerou 54 dos 71
servidores comissionados. Dos oito secretários municipais, cinco também serão
exonerados.
"Nesse momento que eu falo com você, eu não tenho R$ 100 para botar
de gasolina em um carro, para levar pacientes para Natal. A situação está muito
grave e por isso, também estamos cortando na carne, exonerando secretários,
inclusive este que vos fala", afirmou o secretário de Administração,
Jobson Aron. De acordo com ele, só ficarão nas respectivas pastas, os titulares
da Educação, da Saúde e de Assistência Social, que seriam obrigatórios nos
cargos.
Neste ano, a prefeitura já tinha reduzido em 40% o salário do prefeito e
do vice, e 30% dos vencimentos dos secretários. O município tem cerca de 320
servidores efetivos e tem uma folha líquida de R$ 598,8 mil.
A única área que, segundo a administração municipal, não será impactada
é a saúde. Como o setor é custeado fundamentalmente com recursos advindos do
Ministério da Saúde, não deve haver suspensão imediata dos atendimentos em
Unidades Básicas de Saúde e do Programa Saúde da Família, além das ambulâncias.
Todavia, a parte de ambulatório e farmácia municipal podem ser impactadas pela
falta de recursos.
A Prefeitura de Bento Fernandes acredita que a educação deve ser uma
área muito impactada pela quebra de caixa municipal. Isso porque a previsão é
de que os professores do município recebam no fim do mês apenas 30% dos
salários, sem perspectiva de receber os outros 70% devidos. Isso porque, apesar
da educação receber recursos do Fundeb, programa do Governo Federal, a folha
era complementada com recursos locais, que permitiam o pagamento dos salários
dos profissionais da área.
Ainda segundo o secretário de Administração, o jurídico do município
encaminhou uma petição ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedindo a reversão
do pagamento das parcelas ao precatório estadual. Foi pedido, inclusive, pedido
de urgência para revisão da pauta. Mas até o momento não há previsão para
análise do caso. No pedido, o município ainda pede que seja estipulado um
limite mensal no orçamento para o pagamento de precatórios.
fonte:g1rn
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