A demissão do
ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República Gustavo Bebianno pelo
presidente Jair Bolsonaro foi precedida por uma discussão longa por meio do
aplicativo WhatsApp, com troca de acusações entre eles, relacionadas à TV
Globo, a uma viagem à Amazônia, revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo, e ao
caso das candidatas laranjas do PSL, partido de ambos.
Os áudios,
datados de 12 de fevereiro, terça-feira passada, foram publicados hoje pelo
site da revista Veja e desmentem a versão do presidente, segundo quem eles não
haviam conversado naquela data. Bolsonaro disse em entrevista à Record TV que
era mentira que eles houvessem mantido um diálogo antes da alta hospitalar. O
jornal O Estado de S. Paulo procurou o Palácio do Planalto para comentar o caso
e aguarda resposta.
As mensagens
dão ideia do conjunto de razões para a demissão do ex-ministro, que, segundo a
Presidência da República, foram de “foro íntimo” de Bolsonaro. O presidente é
chamado por Bebianno de “capitão” ao longo do diálogo.
Na conversa,
Bolsonaro trata a TV Globo como “inimiga” e manda o agora ex-ministro cancelar
uma audiência com um representante da direção da empresa, no Palácio do
Planalto. Segundo a revista, o presidente encaminhou a Bebianno a mensagem
terça-feira, dia 12, com a agenda do ministro. Ele receberia o vice-presidente
de Relações Institucionais do Grupo Globo, Paulo Tonet Camargo, e respondeu:
“Algo contra, capitão?”.
“Gustavo, o
que eu acho desse cara da Globo dentro do Palácio do Planalto: eu não quero ele
aí dentro. Qual a mensagem que vai dar para as outras emissoras? Que nós
estamos se aproximando da Globo. Então não dá para ter esse tipo de
relacionamento. Agora… Inimigo passivo, sim. Agora… Trazer o inimigo para
dentro de casa é outra história. Pô, cê tem que ter essa visão, pelo amor de
Deus, cara. Fica complicado a gente ter um relacionamento legal dessa forma
porque cê tá trazendo o maior cara que me ferrou – antes, durante, agora e após
a campanha – para dentro de casa. Me desculpa. Como presidente da República:
cancela, não quero esse cara aí dentro, ponto final.”
O presidente
também relata restrições a uma viagem à Região Norte, que era articulada,
enquanto ele ainda estava internado em recuperação de uma cirurgia, com os
ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Damares Alves (Mulher, Família e
Direitos Humanos).
O presidente
dispara: “Gustavo, uma pergunta: “Jair Bolsonaro decidiu enviar para a
Amazônia”? Não tô entendendo. Quem tá patrocinando essa ida para a Amazônia?
Quem tá sendo o cabeça dessa viagem à Amazônia?”
Em seguida,
Bolsonaro relata ter conversado com os demais ministros – que seriam contra a
missão amazônica – e mostra preocupação em ser cobrado posteriormente por
resultados.
“Ô,
Bebianno. Essa missão não vai ser realizada. Conversei com o Ricardo Salles.
Ele tava chateado que tinha muita coisa para fazer e está entendendo como
missão minha. Conversei com a Damares. A mesma coisa. Agora: eu não quero que
vocês viajem porque… Vocês criam a expectativa de uma obra. Daí vai ficar o
povo todo me cobrando. Isso pode ser feito quando nós acharmos que vai ter
recurso, o orçamento é nosso, vai ser aprovado etc. Então essa viagem não se
realizará, tá OK?!”
Em outro
mensagem, o presidente revela preocupação com a investigação da suspeita de
desvio de dinheiro público no PSL, por meio de candidatas que teriam simulado
participação na campanha.
“Querem
empurrar essa batata quente desse dinheiro lá pra candidata em Pernambuco pro
meu colo, aí não vai dar certo. Aí é desonestidade e falta de caráter”, afirma
Bolsonaro. “A Polícia Federal vai entrar no circuito, já entrou no circuito,
pra apurar a verdade. Tudo bem, vamos ver daí… Quem deve paga, tá certo? Eu sei
que você é dessa linha minha aí.”
Bebianno
tenta explicar sua participação na distribuição dos recursos públicos ao
partido, que presidiu ao longo da campanha de 2018. O ex-ministro sustenta que
a responsabilidade por supostas irregularidades nas candidaturas em Pernambuco
seria do deputado Luciano Bivar (PSL-PE), que comanda o diretório local.
Bebianno afirma que o presidente está “envenenado”.
“Em relação
a isso, capitão, também acho que a coisa está… Não está clara. A minha tarefa
como presidente interino nacional foi cuidar da sua campanha. A prestação de
contas que me competia foi aprovada com louvor, é… Agora, cada Estado fez a sua
chapa. Em nenhum partido, capitão, a nacional é responsável pelas chapas
estaduais. O senhor sabe disso melhor do que eu. E, no nosso caso, quando eu
assumi o PSL, houve uma grande dificuldade na escolha dos presidentes de cada
Estado, porque nós não sabíamos quem era quem. É… Cada chapa foi montada pela
sua estadual. No caso de Pernambuco, pelo Bivar, logicamente. Se o Bivar
escolheu candidata laranja, é um problema dele, político. E é um problema legal
dela explicar o que ela fez com o dinheiro Da minha parte, eu só repassei o
dinheiro que me foi solicitado por escrito. Eu tenho tudo registrado por
escrito.
Então é
ótimo que a Polícia Federal esteja, é ótimo que investigue, é ótimo que apure,
é ótimo que puna os responsáveis. Eu não tenho nada a ver com isso. É… Depois a
gente conversa pessoalmente, capitão, tá? Eu tô vendo que o senhor está bem
envenenado. Mas tudo bem, a minha consciência está tranquila, o meu papel foi
limpo, continua sendo. E tomara que a polícia chegue mesmo à constatação do que
foi feito, mas eu não tenho nada a ver com isso. O Luciano Bivar que é
responsável lá pela chapa dele.”
Segundo a
revista, os áudios comprovam que Bebianno de fato manteve contato com o
presidente por “três vezes”, enquanto ele ainda estava internado, no dia 12,
terça-feira passada, conforme o ministro relatara ao jornal O Globo. O ministro
negava haver uma crise no governo por causa da revelação, pela Folha de S.
Paulo, de suspeitas envolvendo candidatas laranjas do PSL. “Não existe crise
nenhuma. Só hoje (terça-feira) falei três vezes com o presidente”, disse,
então, Bebianno a O Globo.
A informação
foi o estopim para que Carlos Bolsonaro, filho do presidente, viesse a público
pelo Twitter acusar o ministro, de quem desconfiava, de mentir. O presidente
endossou a reação do filho e negou que ele estivesse incitando a demissão de
Bebianno
“Carlos
incitando a saída é mais uma mentira. Você conhece muito bem a imprensa, melhor
do que eu. Agora: você não falou comigo nenhuma vez no dia de ontem. Ele esteve
comigo 24 horas por dia. Então não está mentindo, nada, nem está perseguindo
ninguém”, afirmou Bolsonaro.
Bebianno
tentou contemporizar, magoado com o filho do presidente Bolsonaro, porém,
rejeita a informação de que falar por Whatsapp seria considerado uma conversa e
diz que não vai mais tratar com o ex-ministro, a quem acusava ainda de plantar
notas na imprensa.
O
ex-ministro reage: “Capitão, há várias formas de se falar. Nós trocamos
mensagens ontem três vezes ao longo do dia, capitão. Falamos da questão do institucional
do Globo. Falamos da questão da viagem. Falamos por escrito, capitão. Qual a
relevância disso, capitão? Capitão, as coisas precisam ser analisadas de outra
forma. Tira isso do lado pessoal. Ele não pode atacar um ministro dessa forma.
Nem a mim nem a ninguém, capitão. Isso está errado. Por que esse ódio? Qual a
relevância disso? Vir a público me chamar de mentiroso? Eu só fiz o bem,
capitão. Eu só fiz o bem até aqui. Eu só estive do seu lado, o senhor sabe
disso. Será que o senhor vai permitir que eu seja agredido dessa forma? Isso
não está certo, não, capitão. Desculpe.”
O
ex-ministro ainda envia outra mensagem em que sustenta “pregar a paz”:
“Capitão, eu
só prego a paz, o tempo inteiro. O tempo inteiro eu peço para a gente parar de
bater nas pessoas. O tempo inteiro eu tento estabelecer uma boa relação com
todo mundo. Minha relação é maravilhosa com todos os generais. O senhor se
lembra que, no início, eu não podia participar daquelas reuniões de
quartas-feiras, porque os generais teriam restrições contra mim? Eu não
entendia que restrições eram aquelas, se eles nem me conheciam. O senhor hoje
pergunte para eles qual o conceito que eles têm a meu respeito, sabe, capitão?
Eu sou uma pessoa limpa, correta. Infelizmente não sou eu que faço esse rebuliço,
que crio essa crise. Eu não falo nada em público. Muito menos agrido ninguém em
público, sabe, capitão? Então quando eu recebo esse tipo de coisa, depois de um
post desse, é realmente muito desagradável. Inverta, capitão. Imagine se eu
chamasse alguém de mentiroso em público. Eu não sou mentiroso. Ontem eu falei
com o senhor três vezes, sim. Falamos pelo WhatsApp. O que é que tem demais?
Não falamos nada demais. A relevância disso… Tanto assunto grave para a gente
tratar. Tantos problemas. Eu tento proteger o senhor o tempo inteiro. Por esse
tipo de ataque? Por que esse ódio? O que é que eu fiz de errado, meu Deus?”
Fonte:
Estadão
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