Morto por covid-19, Landon deixou esposa, quatro filhas e um filho — Foto: Arquivo pessoal
O pastor
Landon Spradlin não estava preocupado com o coronavírus quando viajou a Nova
Orleans, nos Estados Unidos, para pregar durante o mardi gras — o festival de
carnaval celebrado em março na cidade americana. Um mês depois, Landon, de 66
anos, estava morto.
Após o festival,
quando já tinha sintomas da doença, o pastor postou nas redes sociais sobre a
“histeria” em relação à Covid-19. Em 13 de março, compartilhou no Facebook uma
postagem em que as mortes por Covid-19 eram comparadas às da gripe suína e que
trazia números falsos.
A
postagem também sugeria que o presidente Donald Trump fora tratado de forma
“desigual” pela mídia, na comparação com o ex-presidente Barack Obama, e que as
notícias sobre a doença eram um complô para prejudicar a imagem de Trump. No
mesmo dia, mais cedo, em uma coletiva de imprensa, o próprio presidente
americano tinha dito algo parecido.
Agora, a
família de Landon — mulher e cinco filhos — esperam que a pandemia causada pela
Covid-19 passe, para poderem realizar um velório em memória ao ente falecido.
Por
enquanto, houve apenas um enterro no qual poucas pessoas compareceram,
incluindo um guitarrista de blues que tocou ao lado do caixão.
“Ele
amava rir, amava tocar guitarra”, lembra uma das filhas de Ladon, Jesse
Spradlin. “Era o melhor homem do mundo.”
Funeral do pastor foi bastante restrito e família pretende fazer um velório maior quando crise do coronavírus passar — Foto: Arquivo pessoal
Pregação no
festival
Há pouco
mais de um mês, Landon, que tinha 66 anos, foi de carro com sua esposa Jean da
casa deles na Virgínia para o Estado da Louisiana, a 1,5 mil km de distância.
Ele viu
o mardi gras como uma oportunidade de, através da música, “salvar as almas de
algumas das centenas de milhares de pessoas” que estariam nas ruas.
Duas de
suas filhas, que vieram do Texas, também o acompanharam.
“Sua
missão era ir a pubs, clubes noturnos e bares para tocar blues e se conectar
com os músicos, falando do amor de Jesus”, conta a filha Jesse, de 28 anos.
“O mardi
gras em Nova Orleans é como a Times Square em Nova York durante o ano novo”,
diz ela. “É um mar de gente bebendo e festejando. Ele falou muito, riu. Estava
à vontade.”
Spradlin
tocava guitarra desde os quatro anos de idade e, em 2016, foi incluído no Hall
da Fama do Blues de Virgínia. A religião, diz a família, o salvou o alcoolismo
e do vício em drogas que o acometeram aos 20 e poucos anos.
Nos anos
mais recentes, o pastor estava realizando o sonho de pregar através da música —
e sua experiência difícil com drogas o tornava mais próximo de pessoas que se
sentem tristes e excluídas, algo com o qual ele conseguia se identificar.
No mardi
gras, a banda da família tocou em uma praça movimentada, sem perceber a ameaça
à qual estavam expostos.
Eles não
foram os únicos. Ainda que já tivesse passado um mês desde o primeiro caso
confirmado de coronavírus nos Estados Unidos, o mardi gras foi adiante
normalmente.
As
autoridades locais agora acusam o governo americano de negligência e da falta
de esforços coordenados para evitar novas contaminações.
Entre os
casos suspeitos na Lousiania, estava Spradlin, mas exames apontaram resultado
negativo para a covid-19. Foi quando postou nas redes sociais sobre a
“histeria” em torno do vírus.
‘Eu
apenas disse: você precisa chegar em casa. Mas ele não conseguiu’.
Landon
Isaac, 32, filho do pastor, me contou que ele e o pai haviam conversado e
concordado sobre o que consideravam ser um frenesi irracional e um medo do
vírus motivado, talvez, pelo ano eleitoral nos Estados Unidos.
“Quero
destacar que papai não achava que era uma farsa, ele sabia que era um vírus
real”, diz Landon Isaac.
“Mas ele
publicou aquela postagem porque estava frustrado com mídia propagando o medo
como principal forma de comunicação.”
Em
meados de março, porém, a saúde do pastor Spradlin subitamente piorou. Ele e
sua esposa decidiram fazer, mesmo assim, a longa viagem de volta para casa, de
Nova Orleans à Virgínia.
“Falei
com meu pai cinco minutos antes de ele desmaiar, na Carolina do Norte”, lembra
o filho do pastor. “Posso dizer que percebi a respiração dele ficando ruim. Eu
apenas disse: você precisa chegar em casa. Mas ele não conseguiu.”
Spradlin
foi levado a um hospital na Carolina do Norte, onde descobriram que seus dois
pulmões tinham sido fortemente afetados por uma pneumonia. Neste momento, seu
teste para coronavírus também deu positivo.
Após
oito dias em uma unidade de terapia intensiva (UTI), o pastor morreu.
“É como
se papai fosse nossa coluna de apoio e alguém a derrubasse. Parece que o teto
está caindo sobre todas as nossas cabeças agora”, lamenta Landon Isaac.
Por
dias, Isaac e suas quatro irmãs tiveram que se comunicar com a mãe pela porta
de vidro da casa dela. O pequeno funeral veio depois do fim da quarentena da
esposa do pastor, Jean.
“Nunca
pensamos que nosso pai fosse morrer por causa disso. Mas ele não era o tipo de
pessoa a viver apenas de medo, deixando que sua alegria de vida fosse roubada”,
diz Jesse Spradlin.
Polarização política e coronavírus
Ela diz
que o pai desconfiava da mídia, o que contribui para o pouco caso que fazia dos
perigos do coronavírus.
“Fiquei
frustrada pela mídia ser muito pautada por uma agenda política — de todos os
lados. Sinto que a questão do coronavírus se transformou em algo de ‘partido
contra partido’, em vez de uma nação sob Deus”, diz ela.
Para
Jesse, a polarização política, que atingiu também a mídia americana, torna
difícil saber em que acreditar.
De fato,
é impressionante como a opinião de cada americanos sobre a pandemia
praticamente varia conforme sua posição política. Pesquisas mostram que os
republicanos estão mais inclinados a pensar que há uma reação exagerada ao
coronavírus; já os democratas, que a situação não está sendo levada a sério o
suficiente.
Jesse
sente que a magnitude da crise que tirou a vida de seu pai indica que estas
disputas não podem mais continuar assim.
“Ainda
há muitas notícias pautadas por uma agenda política, mesmo que as pessoas
estejam morrendo”, diz ela.
“Isso
está afetando nosso país e, a menos que comecemos a agir como uma nação, não
encontraremos realmente uma solução. Mas, para que isso aconteça, é necessária
uma certa humildade.”
Fonte:Por BBC News via G1
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