Montagem de fotos, da esquerda para a direita, de Luis Miranda, Ricardo Barros, Jair Bolsonaro e Luis Ricardo Miranda — Foto: Agência Sena...
Montagem de fotos, da esquerda para a direita, de Luis Miranda, Ricardo Barros, Jair Bolsonaro e Luis Ricardo Miranda — Foto: Agência Senado / Reuters / Câmara dos Deputados
Dois meses depois de ser
instalada, a CPI da Covid entra em uma nova fase, como dizem os próprios
senadores, e deve voltar-se mais para a investigação de um suposto esquema de
corrupção na compra da vacina indiana Covaxin pelo governo de Jair Bolsonaro (sem
partido).
O
Planalto nega as acusações de que a aquisição de 20 milhões de doses desse
imunizante, no valor total de R$ 1,6 bilhão, teria sido superfaturada em 1000%.
Documentos
obtidos pela CPI mostram que o valor contratado pelo governo brasileiro, de US$
15 por vacina (R$ 80,70), ficou bem acima do preço inicialmente previsto pela
empresa Bharat Biotech, de US$ 1,34 por dose.
A
compra não foi finalizada porque o escândalo estourou antes.
A
aquisição da Covaxin chama atenção porque a recusa do imunizante da Pfizer pelo
governo federal se deu porque o preço seria alto demais, mas a dose da Covaxin
saiu por US$ 5 a mais.
Já a
recusa da CoronaVac teria se dado porque essa vacina não teria sido ainda na
época aprovada pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas o contrato da
Covaxin foi fechado sem a aprovação.
A CPI
e o Ministério Público Federal (MPF) agora investigam se houve irregularidades
nessa negociação, como apontam as denúncias, que envolvem o presidente da
República, o líder do seu governo na Câmara, outro deputado federal, um
servidor, um empresário e dois militares.
Entenda
a seguir quem são eles — até agora
·
Luis Ricardo Miranda, servidor do
Ministério da Saúde
Foi quem identificou
e denunciou as supostas irregularidades na compra da Covaxin pelo governo
federal.
É servidor de
carreira do Ministério da Saúde e trabalha atualmente como coordenador de
importação no Departamento de Logística em Saúde.
Luis Ricardo Miranda
disse em depoimento ao Ministério Público Federal em 31 de março que sofreu
pressão para assinar o contrato.
Também teria
apresentado provas ao presidente Jair Bolsonaro em uma reunião no Palácio do
Planalto — o encontro, em 20 de março, foi registrado com fotos.
O servidor foi
chamado para depor na CPI em 25 de junho, onde reafirmou suas suspeitas de que
a compra da Covaxin é parte de um esquema de corrupção.
"Meu cargo não
é de indicação política, não sou filiado a nenhum partido. Meu partido é o SUS.
Eu trabalho em defesa do interesse público", afirmou na ocasião.
Dois dias depois,
segundo ele, seu acesso aos sistemas internos do Ministério da Saúde teria sido
bloqueado.
·
Luis Carlos Miranda, deputado federal
É irmão de Luis
Ricardo e está à frente da denúncia junto com ele.
Miranda era youtuber
e vivia em Miami. Ficou conhecido ao dar dicas de como empreender e fixar
residência nos Estados Unidos.
O empresário foi
eleito deputado federal em 2018 pelo Democratas (DEM) no Distrito Federal.
Ele diz que foi
alertado pelo irmão de que havia problemas na negociação da Covaxin.
Os dois afirmam que
procuraram Bolsonaro e fizeram a denúncia. Segundo eles, o presidente teria
dito que pediria à Polícia Federal para investigar o caso.
Até aqui, Luis
Carlos Miranda era alinhado ao governo federal, mas agora diz que está sendo
ameaçado pelo Planalto — por causa da denúncia, o ministro Onyx Lorenzoni
(DEM-RS) disse que ele e seu irmão teriam de se entender "não só com Deus,
mas com a gente também".
O deputado é ele
próprio alvo de denúncias de compra de votos em 2018 (a denúncia foi rejeitada
pela Justiça), de estelionato (a ação foi extinta por iniciativa da vítima) e
de fraude (por meio de seus negócios no Brasil e nos Estados Unidos; ele nega
as acusações).
·
Ricardo Barros, deputado federal
É acusado de ser o
chefe do esquema de corrupção por trás da compra da Covaxin.
Após bastante
pressão dos senadores na CPI, Luis Miranda disse que seu nome foi citado por
Bolsonaro como o responsável, após o presidente ouvir a denúncia das
irregularidades.
O deputado federal
do Paraná pelo Progressistas (PP) é um dos principais nomes do Centrão, bloco
informal da Câmara que garante a sustentação política do presidente hoje.
É figura antiga dos
altos escalões de Brasília. Está há mais de 20 anos no Congresso e chegou a ter
seu mandato cassado em 2018 por compra de votos. A sentença foi anulada três
meses depois.
Barros fez parte da
base de quatro presidentes — FHC, Lula, Dilma e Temer — antes de ser o líder do
governo Bolsonaro no Congresso.
Mais recentemente,
foi ministro da Saúde de Temer, e hoje é investigado pelo MPF por causa da
compra supostamente fraudulenta de R$ 20 milhões em medicamentos para doenças
raras da empresa Global Gestão de Saúde.
O deputado nega essa
e outras acusações, como a de que teria recebido propina pela contratação de
uma empresa de energia eólica no Paraná ou tentado interferir numa licitação de
serviços de publicidade da Prefeitura de Maringá.
Agora, segundo os
irmãos Miranda, Barros estaria se beneficiando ilegalmente da compra da
Covaxin.
·
Francisco Maximiano, dono da Precisa
É uma figura central
do escândalo.
Maximiano é
sócio-administrador da Precisa Medicamentos, empresa que representa a Bharat
Biotech, fabricante da Covaxin, no Brasil, e que intermediou a compra da vacina
pelo governo federal.
Documentos da CPI
mostram que a Precisa cobrou urgência do Ministério da Saúde para acelerar a
celebração do contrato. Há suspeitas de que a companhia tenha sido favorecida.
A Precisa diz que a
compra foi legal e seguiu os padrões da Bharat Biotech em negociações com
outros países. A Bharat Biotech diz que as doses do imunizante são vendidas ao
exterior a valores compatíveis com o que foi aceito pelo governo brasileiro.
Maximiano também é
presidente da Global Gestão de Saúde, empresa investigada por fraude na compra
de medicamentos pela Saúde durante a gestão de Ricardo Barros.
Ele teve seu sigilo
bancário e telefônico quebrado pela CPI, decisão que foi mantida pelo STF, e
também foi convocado para depor.
Isso estava previsto
para ocorrer em 23 de junho, mas o empresário alegou ter chegado de uma viagem
à Índia no dia 15 e que teria de fazer quarentena por duas semanas. Seu
depoimento foi remarcado para 1º de julho.
O empresário pediu
um habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal (STF) para poder ficar em silêncio
e se retirar da sessão "caso seja alvo de condutas vexatórias no decorrer
de sua inquirição". A Corte ainda não se manifestou.
·
Jair Bolsonaro, presidente da República
É acusado pela
oposição de ter cometido o crime de prevaricação (quando um funcionário público
"retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo
contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal")
porque ele não teria mandado investigar a denúncia dos irmãos Miranda.
Só após tudo vir à
tona que o presidente teria pedido à PF para abrir um inquérito.
A PF também vai
investigar Luis Carlos e Luis Ricardo Miranda a pedido de Bolsonaro, segundo
Onyx Lorenzoni.
Bolsonaro diz que
seu governo não fez nada de errado porque não teria havido superfaturamento das
doses negociadas nem teria sido "gasto um real" de fato com elas. Até
o momento, as vacinas não foram entregues, nem os valores foram pagos.
Ele disse ainda que
não tem como saber em detalhes de tudo que acontece nos ministérios e que
confia nos seus ministros para que eles façam um bom trabalho.
Mas os senadores
Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru
(Podemos-GO) discordam e apresentaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma
notícia-crime solicitando que o procurador-geral da República, Augusto Aras,
apresente uma denúncia contra Bolsonaro.
O presidente afirma
que tudo não passa de desespero da oposição para imputar a seu governo a pecha
de corrupto — o combate à corrupção foi uma das bandeiras que o levou ao
Planalto.
"Eu sou
incorruptível", Bolsonaro tem repetido nos últimos tempos.
·
Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde
O general era o
responsável pelo Ministério da Saúde quando a compra da Covaxin foi negociada e
fechada.
Os senadores
governistas Marcos Rogério (DEM-RO) e Jorginho Mello (PL-SC) disseram que
Bolsonaro teria pedido a Pazuello que ele investigasse a denúncia de corrupção.
"Como não tinha
nada de errado, a coisa continuou", disse Mello.
Mas, no dia da
reunião entre os irmãos Miranda e o presidente, Pazuello já havia sido demitido
e aguardava apenas a nomeação de seu substituto, Marcelo Queiroga, o que
ocorreu três dias depois.
Luis Carlos Miranda
disse que chegou a conversar com Pazuello sobre o caso e que o ministro teria
reconhecido que havia corrupção na pasta.
Mas, segundo o
deputado, o ex-ministro disse que não poderia agir porque estava prestes a
deixar o cargo.
Pazuello não ficou
muito tempo fora do governo: foi nomeado secretário da Presidência em 1º de
junho.
O general já depôs à
CPI, mas há senadores que querem reconvocá-lo após essa denúncia vir à tona.
Ele ainda não se manifestou publicamente sobre o assunto.
·
Alex Lial Marinho, ex-coordenador do Ministério
da Saúde
O tenente-coronel
era auxiliar de Pazuello e teria sido ele, segundo os irmãos Miranda, que teria
pressionado pela compra da Covaxin.
Marinho era
coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos. Foi nomeado em maio de
2019, quando Pazuello era ainda ministro interino, e foi exonerado por Marcelo
Queiroga em 8 de junho.
A CPI da Covid
convocou o militar para prestar esclarecimentos e quebrou seu sigilo fiscal,
telefônico, telemático e bancário.
Seu depoimento ainda
não tem data para ocorrer.
·
Élcio Franco, ex-secretário-executivo
do Ministério da Saúde
O coronel era o
chefe de Alex Marinho e o número 2 da Saúde sob Pazuello.
Foi o responsável
por diversas decisões estratégicas, entre elas a compra de vacinas — o que lhe
rendeu uma convocação para depor na CPI, ocorrida em 9 de junho.
Franco foi exonerado
em março junto com o general, mas depois nomeado assessor especial da Casa
Civil.
Foi ele quem saiu em
defesa do governo Bolsonaro, ao lado de Onyx Lorenzoni, em uma coletiva de
impresa.
Na ocasião, afirmou
que os documentos apresentados pelos irmãos Miranda não batem com aqueles em
posse do Ministério da Saúde.
COMMENTS