Glória
Maria em sua casa no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro, em novembro de 2005 —
Foto: Tasso Marcelo/Estadão Conteúdo/Arquivo
A jornalista Glória
Maria morreu no Rio nesta quinta-feira (2). A causa da morte
não foi informada.
Glória foi pioneira inúmeras vezes. Foi a primeira
a entrar ao vivo no Jornal Nacional e inaugurou e era da alta definição da
televisão brasileira. Mostrou mais de 100 países em suas reportagens e
protagonizou momentos históricos.
“Eu sou uma pessoa movida pela curiosidade e pelo
susto. Se eu parar pra pensar racionalmente, não faço nada. Tenho que perder a
racionalidade pra ir, deixar a curiosidade e o medo me levarem, que aí eu faço
qualquer coisa.”
Vida e carreira
Glória Maria Matta da Silva nasceu no Rio de Janeiro. Filha do alfaiate Cosme Braga da Silva e da
dona de casa Edna Alves Matta, estudou em colégios públicos e sempre se
destacou. “Aprendi inglês, francês, latim e vencia todos os concursos de
redação da escola”, lembrou, ao Memória Globo.
Glória também chegou a conciliar os estudos na
faculdade de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) com o
emprego de telefonista da Embratel.
Em 1970, foi levada por uma amiga para ser
radioescuta da Globo do Rio. Em uma época sem internet, era ouvindo as
frequências da polícia que se descobria o que acontecia na cidade. Fazer uma
ronda de telefone, ligando para batalhões e delegacias, também era tarefa de um
radioescuta.
Na Globo, tornou-se repórter numa época em que os
jornalistas ainda não apareciam no vídeo. A estreia como repórter foi em 1971,
na cobertura do desabamento do Elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro.
“Quem me ensinou tudo, a segurar o microfone, a falar, foi o Orlando Moreira, o
primeiro repórter cinematográfico com quem trabalhei”.
Glória Maria trabalhou no Jornal Hoje, no RJTV e no
Bom Dia Rio — coube a ela a primeira reportagem do matinal local, há 40 anos,
sobre a febre das corridas de rua.
No Jornal Nacional, foi a primeira repórter a
aparecer ao vivo. Cobriu a posse de Jimmy Carter em Washington e, no Brasil,
durante o período militar, entrevistou chefes de estado, como o ex-presidente
João Baptista Figueiredo.
“Foi quando ele [João Figueiredo] fez aquele
discurso ‘eu prendo e arrebento’ – para defender a abertura (1979). Na hora, o
filme acabou e não tínhamos conseguido gravar. Aí eu pedi: ‘Presidente, é a TV
Globo, o Jornal Nacional, será que o senhor poderia repetir? Problema seu, eu
não vou repetir’, disse Figueiredo. Onde ela chegava, o ex-presidente dizia para
a segurança: ‘Não deixa aquela neguinha chegar perto de mim’”, relembra.
Sucesso no Fantástico
A partir de 1986, a jornalista integrou a equipe do
Fantástico, do qual foi apresentadora de 1998 a 2007. Ficou conhecida pelas
matérias especiais e viagens a lugares exóticos, e por entrevistar celebridades
como Michael Jackson, Harrison Ford, Nicole Kidman, Leonardo Di Caprio e
Madonna.
Com a cantora, teve um encontro que ela define como
especial. “Eu saí daqui, e diziam que a Madonna era difícil. Foi
antipaticíssima com a Marília Gabriela e debochou do seu inglês”. Ao chegar,
Glória Maria foi informada de que tinha quatro minutos para entrevistar
Madonna.
A repórter conta que entrou em pânico. Mas, na
hora, falou: “Olha, Madonna, eu tenho quatro minutos, vou errar no inglês,
estou assustada, acho que já perdi os quatro minutos.” Para sua surpresa, a
estrela virou-se para a equipe técnica e disse: “Dê a ela o tempo que ela
precisar.”
Para o Fantástico, a jornalista viajou por mais de
100 países, passando pela Europa, África e parte do Oriente, quando mostrou um
mundo novo ao telespectador.
Foi a repórter que entrou no ar ao vivo, na
primeira matéria a cores do Jornal Nacional, em 1977, mostrando o movimento de
saída de carros do Rio de Janeiro, em um fim de semana. Naquele dia, foram
usados equipamentos portáteis de geração de imagens.
Na primeira cena, a lâmpada queimou e a repórter
passou seu primeiro sufoco no ar.
“Eu estava dura, rígida, porque não podia errar.
Era a primeira entrada ao vivo. Faltavam cinco, dez minutos, era o técnico que
ficava com o fone para me dar o ‘vai’. Quando a lâmpada queimou, faltava um
minuto para a entrada ao vivo. O jeito foi acender a luz da Veraneio (carro
usado pela emissora nas reportagens).” O repórter cinematográfico e a repórter
tiveram que ficar de joelhos, com o farol no rosto de Glória Maria, e a matéria
entrou no ar.
A jornalista cobriu a guerra das Malvinas (1982), a
invasão da embaixada brasileira do Peru por um grupo terrorista (1996), os
Jogos Olímpicos de Atlanta (1996) e a Copa do Mundo na França (1998).
Primeira transmissão em HD
Em 2007, ao lado do repórter cinematográfico Lúcio
Rodrigues, a jornalista realizou a primeira transmissão em HD da televisão
brasileira. Foi uma reportagem no Fantástico sobre a festa do pequi, fruta de
cor amarela adorada pelos índios Kamaiurás, no Alto Xingu.
Volta ao mundo no Globo Repórter
Após 10 anos no Fantástico, Glória Maria tirou dois
anos de licença para se dedicar a projetos pessoais, como as viagens à Índia e
à Nigéria, onde trabalhou como voluntária. Nesse período, adotou as meninas
Maria e Laura e, ao retornar à Globo, em 2010, pediu para integrar a equipe do
Globo Repórter, programa do qual faz parte até hoje.
Estreou com a matéria “Brunei Darussalam: A Morada
da Paz”; um ano depois fez “Brunei, O País da Felicidade” – as duas matérias
sobre o pequeno sultanato no Sudeste Asiático, na fronteira com a Malásia.
Em 2010, esteve no Grand Canyon, nos Estados
Unidos, quando andou de balão e desceu de bote o Rio Colorado. No mesmo ano fez
Duas Chinas, também para o Globo Repórter, e apresentou ainda o especial de
Roberto Carlos na Praia de Copacabana.
Glória foi escolhida pelo Rei para a entrevista que
concedeu em sua residência e na qual ele acabou cantando para ela. Em 2011,
apresentou o show que o cantor fez em Jerusalém. Na ocasião, Roberto Carlos
tirou a apresentadora para dançar.
Em 2012, a jornalista mostrou o Oásis da paz em Omã
e fez um passeio com camelos pelo deserto. Logo depois, passou por Dubai.
A França foi um dos países visitados em 2013. Na
ocasião, foram exibidas as belezas do Vale do Loire, Champagne e Provence. No
mesmo ano, revelou a cultura e os costumes dos moradores do Vietnã, Laos e
Camboja. Passou também por Myanmar, no sul da Ásia, onde fez reportagens sobre
o misticismo na região.
As paisagens do Reino Unido, Suécia e Lapônia foram
temas do Globo Repórter em 2014.
No ano seguinte, a jornalista mostrou as belezas de
Marrocos, como a cidade azul, Marrakesh, os encantadores de serpente e a
colheita do argan feita pelas cabras. Cruzou o deserto do Saara em um
dromedário e mostrou a vida dos povos nômades.
Em 2016, visitou a Jamaica, onde teve a
oportunidade de entrevistar o campeão mundial de atletismo Usain Bolt e
participou dos rituais de uma comunidade rastafári.
Em 2017, Glória Maria foi à China e fez matérias em
Hong Kong, onde cuidou de um panda gigante, e pulou do mais alto bungee-jump do
mundo em Macau, com 233 metros de altura.
Em setembro de 2019, Sérgio Chapelin se aposentou,
após 23 anos no Globo Repórter. A partir daquele mês, Glória Maria passou a
dividir o programa com a jornalista Sandra Annenberg.
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